Minhas leituras preferidas de 2024
Esse texto é sempre complicado, pois exige um pouco de pesquisa. Há muitos anos eu parei de listar os livros lidos em algum lugar: isso só servia pra metrificar um hobby numa vida já tão voltada a esse tipo de “otimização”.
Eu leio por que sem ler não sou eu, sinto tanta falta de ler quanto de almoçar. Não posso ficar sem almoçar, não posso ficar sem ler. Tenho sempre alguma coisa esperando, outras passam na frente, e muitos interesses.
Já acordo lendo, e a última coisa que faço antes de fechar os olhos pra dormir é ler. Leio nos intervalos no trabalho, nas filas de consultório médico, nos deslocamentos.
Leio sempre e isso me faz, isso me constrói.
Esse ano foi bem eclético, considerando estilos e autores. Voltei lá no inicinho do ano, quando registrei algumas leituras no meu planner, e ainda bem que conferi, já tinha esquecido de alguns.
Não tenho um único preferido, cada livro se propõe a uma fase da vida e me ajuda de diferentes maneiras. A ordem não é ranking, portanto.
O Clube de Leitura (A)normal é o responsável por 10 livros todos os anos, mas ainda no finalzinho eu entrei no Clube do Livro FN, do Felipe Neto, e estou gostando muito.
Também é comum, entre amigos, que leiamos alguma coisa juntos para ir debatendo. Ainda sonho com um espaço presencial, para debater as leituras. Quem sabe esse ano.
Ainda sobre isso, uma das metas de 2025 que tenho é dividir com vocês uma apresentação breve das leituras que fizer e possam ser dos seus interesses. Se por escrito ou por vídeo, ainda não sei.
O que vocês acham dessa ideia?
Água Fresca Para as Flores, Valerie Perrin
Esse livro foi classificado nesse novo estilo chamado healing fiction, “leitura que cura”, tradução minha. Com esse tipo de livro, você sabe que a história não vai te causar emoções extremas, mas sim, ser conduzida por histórias que te inspiram e causam uma emoção mais tranquila, sabe?
A história é muito linda, e te prende completamente.
Violette, a personagem principal, é zeladora de um cemitério, e algumas pessoas pagam para que ela dê água fresca para as flores. Todo tipo de visitante aparece, e conforme as histórias das pessoas desenrolam, vamos conhecendo a história dela também.
É lindo, tocante. Fiquei muito fã de Violette. Aqui o link para comprar ele.
Em Agosto nos Vemos, Gabriel García Márquez
Fala quem quiser falar, eu amei que a família não respeitou os desejos de Gabo de não publicar essa obra que ele considerou inadequada, ruim.
Minha saudade de ler algo de um autor tão querido, que me atravessou de tantas maneiras, me fez comprar no primeiro dia de lançamento. Não me decepcionei: é uma história interessante, ainda que curta.
Quando você já leu muitos livros do mesmo autor, começa a encontrar coincidências, histórias que parecem se repetir, ainda que com nuances, e esse livro me pareceu o aprofundamento de algumas histórias que em outros livros foram menores.
Particularmente, Ana Magdalena me lembra uma das amantes de Florentino Ariza, na sua maneira de encarar a vida amorosa e sexual. A história tem uma mulher que se permite aventuras, com aquela cenografia que a gente tanto ama.
Esse ano, estive em Cartagena pela primeira vez, espero que não tenha sido a última. Escrevi sobre a viagem nessa edição aqui. Cheguei quando lançavam recentemente esse livro e algumas edições maravilhosas do Cem Anos e Amor nos Tempos do Cólera, ilustrados, lindíssimos.
Me senti recebendo uma carta de alguém querido após anos sem falar com a pessoa.
Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva
Muito difícil ser brasileiro (e até de outros lugares do mundo) e não estar por dentro dessa obra magnífica, que acaba de virar filme e pode nos render um Oscar.
Semana retrasada, comentei sobre um pequeno trecho desse livro, na newsletter em que falei sobre minha mãe. Marcelo conta das pequenas e grandes perdas que o alzheimer causa em sua mãe, a maravilhosa Eunice Paiva.
Ter podido conhecer uma mulher tão inspiradora, que nos piores dias (e anos) da sua vida mostrou-se centrada, justa, me ensinou muito a respeito da pessoa que eu quero ser.
Se você apenas viu o filme, peço que não deixe de conhecer esse livro incrível: no livro, temos uma perspectiva muito mais ampla da vida de Eunice e do que foi sobreviver ao desaparecimento de Rubens Paiva.
É emocionante, de uma maneira que ainda não tinha visto livro nenhum ser, sobre esse período.
Aqui, o link para comprar - o sucesso foi tão grande, que dias atrás, havia esgotado na Amazon a versão impressa!
A palavra que Resta - Stênio Gardel
Esse foi o último livro que compunha o Clube de Leitura(A)normal de 2024, e nossa, que maravilha, que presente.
Pra começar, o personagem principal é um homem gay, daqueles que sempre soube e nunca “tentou” ter relacionamentos héteros - o que não significa que tenha sido assumido desde sempre.
A homofobia dos familiares dele, de tantas pessoas por quem ele passou, e que ele mesmo reproduziu muitas vezes, antes de encontrar um lugar no mundo (e dentro de si) onde pudesse existir, é dolorosamente real.
Além disso, o Raimundo é um senhor que vai se alfabetizar já depois de muito adulto, talvez idoso. Essas duas questões entremeadas deixam Raimundo cheio de palavras por dizer.
Coisas que não teve coragem de dizer para os pais, para muitas pessoas com quem se relacionou, palavras que ficaram presas dentro dele, mas que do lado de dentro, gritavam.
Isso é muito lindo, e mesmo sem viver os mesmos dilemas e recortes que ele, lembro muito bem de quantas vezes, minhas palavras gritavam por dentro, mas não tive coragem de proferi-las em voz alta, principalmente, diante de meus pais.
As partes que eu mais gostei, inclusive, são justamente esses discursos angustiados que os personagens não puderam falar. Ao mesmo tempo que tem episódios de violência e profunda tristeza, eu não conseguia parar de ler - é muito envolvente!
Ainda tivemos o privilégio de ouvir Stênio nos conceder uma entrevista, especialmente para os membros do Clube, e ele é uma pessoa incrível. Nesse vídeo aqui, podemos vê-lo dando o discurso na premiação do National Book Award, e é impossível não se emocionar:
Aqui, o link para comprar esse livro tão lindo, tão sensível.
A Biblioteca dos Sonhos Secretos, Michiko Aoyama
Mais um healing fiction, nesse caso, praticamente o dorama da literatura.
Nunca assisti dorama, mas pelo que me dizem, são historinhas açucaradas, pra gente ir sem medo do susto.
Ambientada numa biblioteca de um Centro Comunitário de Tokyo, diversas pessoas motivadas por necessidades pessoais e profissionais vão acabar sendo atendidas por uma funcionária que parece adivinhar o que elas precisam resolver na vida delas.
Diferentes gerações, dilemas, pessoas que precisam arrumar um trabalho, aprender a usar computador, ou que têm problemas de saúde mental, vão receber uma lista de livros sobre o tema que buscam, e um último, que parece não fazer sentido.
Até que faz. Tem um elemento de magia, ali, um presentinho que ela parece acertar em cheio, mas que transforma a vida de cada pessoa de uma maneira simples, mas importante.
Livro gostoso pra ler antes de dormir, pra se sentir inspirado a mudar aos poucos a rota da vida e sair do automático. Confesso que viciei no estilo.
Aqui, o link para comprar (costumo ler no kindle, o preço das versões impressas me intimida).
Sidarta, Hermann Hesse
Eu tinha esse livro comprado na minha estante há anos, e num feliz acaso, lemos no Clube de Leitura (A)normal em 2024.
Sidarta é um jovem brâmane que sai numa jornada espiritual, e é contemporâneo de Sidarta Gautama, o famoso Buda Shakyamuni (a história do príncipe que foi preservado nos castelos longe de todo sofrimento, mas um dia foge e descobre a realidade fora dos castelos).
Mas apesar do Buda aparecer na nossa história, vamos acompanhando mesmo é o nosso Sidarta comum, numa jornada de vida em busca da autorrealização. Ele atinge a Iluminação (no que convencionamos assim no budismo), após uma vida inteira de tentativas e diferentes métodos.
Só que no decorrer dessas tentativas e métodos, vamos acompanhando dilemas da fase da vida, tão comuns a todos nós (apesar do livro se passar num tempo muito mais antigo). Vemos Sidarta ser tragado pelas distrações mundanas, e também sofrer pelo apego trazido com a paternidade.
É uma lição de vida em metáfora, uma história muito linda, incrível mesmo. Quem pratica yoga, frequenta templos budistas, hindus ou hare krishna, ainda vai se divertir com as nuances daquilo que estudamos, e a maneira como o autor escolheu colocar na obra.
Trabalho Focado, Cal Newport
Eu realmente adoro o trabalho desse autor, de quem também já li o Minimalismo Digital, que mudou drasticamente a minha política pessoal para uso de redes sociais.
No Trabalho Focado, o conceito de foco é descrito como aquele momento, depois de passada a arrebentação, em que você começa realmente a navegar num nível mais profundo do seu trabalho, principalmente o trabalho intelectual.
Ele vai costurando conceitos teóricos, com exemplos pessoais e de outras instituições, para defender que nós atingimos mais resultados quando focamos (de verdade, não por 15 minutinhos) em uma tarefa por vez.
A rotina dele, de professor acadêmico e alguém que publica artigos com regularidade, além de livros, exige que ele otimize a capacidade de escrever e pesquisar. Apesar de não ser a minha realidade (embora eu não descarte uma experiência de carreira acadêmica), eu entendi que era possível e necessário criar mais blocos de foco profundo.
O livro, além de tudo, é gostoso de ler. Estamos entrando em 2025, o brain rot saiu do armário, e eu estou muito interessada em me manter abaixo da superfície, nem que seja algumas horas por semana.
Então, vai se tornar um livro de consulta recorrente para mim.
Aqui, o link para comprar. Sei que custa um pouco mais, mas prometo que é imperdível.
Gente Ultraprocessada, Chris Van Tulleken
Enquanto estudante de Nutrição, eu tenho me dedicado o máximo que consigo aos materiais trabalhados em sala de aula, e segui uma dica dado pela minha professora Sheyla (beijo profe!): escolher um artigo científico sobre um tema da minha escolha, e ler, pra tentar entender.
Confesso que é difícil ler artigos, mas assim como quando estamos estudando um idioma, é preciso ter exposição à linguagem, então eu sigo nadando. De tempos em tempos, compro alguns livros, também.
Os livros sobre saúde são inúmeros, e muitos têm aquele tom de “plano de 8 semanas” pra você colocar em prática no final. Mas eles fazem algo que os artigos científicos não fazem adequadamente, que é traduzir ao público leigo o que os estudos têm descoberto.
Esse livro é um barato: um médico do Reino Unido entra em contato com a classificação dos alimentos proposta no Guia Alimentar Para a População Brasileira, e fica encafifado com isso.
A princípio desconfiado, liga para Carlos Monteiro e muitos outros colegas, e começa a puxar o fio do que exatamente acontece quando baseamos a nossa dieta em alimentos ultraprocessados - uma realidade super comum lá no Reino Unido.
Ao mesmo tempo, ele começa a se alimentar dessa maneira, como o “inglês médio”, e vai estudando e praticando.
Ainda que para nós brasileiros, nada seja novo, saber que fomos colocados mais uma vez em evidência, num país dominante e que serve de exemplo para muita coisa (inclusive elogiam o sistema de saúde britânico, o qual não tem a amplitude do SUS), pode significar uma catapulta maravilhosa para o nosso Brasil nesse campo da ciência e da saúde.
O livro é super gostoso de ler, desconstrói muitos argumentos que repetimos sem clareza do que significa, e se você está interessada em repensar o consumo de alimentos “de pacotinho” na sua vida, sem dúvida te ajudará.
Aqui, o link para comprar - quem assina kindle unlimited pode emprestar antes de decidir se compra ou não compra.
Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa
Eu não vou dizer a vocês que foi fácil, simples ou gostoso. Eu demorei um bom tempo para começar a entender o que estava acontecendo.
Essa foi mais uma leitura guiada (dirigida) oferecida gratuitamente pela Maria Camila Moura, e sem o apoio das aulas dela, e do meu grupo de amigos, eu não teria dado conta.
Se você quiser assistir as aulas e receber um material gratuito e de altíssima qualidade em PDF, clique aqui para se cadastrar.
O mais curioso foi não ter percebido quando tudo engrenou. Talvez tenha sido um pouco antes do julgamento de Zé Bebelo, o fato é que de um ponto em diante, eu havia sido arrebatada.
Na época, comecei a construir frases do mesmo jeito que Riobaldo sem me dar conta do que estava fazendo. Não vejo a hora de ir até o Rio Urucuia me banhar nessas águas tão significativas, e ver um buritizal.
Assim que terminei de ler, recomecei, agora entendendo um pouco melhor do que se tratava, e pegando mais nuances, que da primeira vez me pareceram impossíveis.
Aqui tem o link para comprar o livro, mas nesse caso, recomendo muito o apoio de alguma outra obra, de algumas aulas, para conseguir assimilar essa maravilha.
Ufa!
Levei muitos dias construindo essa lista, buscando as referências, que achei importantes inclusive para explicar um pouco do que senti, do que vivenciei a cada leitura.
Em 2025, já estou com as leituras a todo vapor, cumprindo algumas coletivas com amigos, fazendo leitura dirigida e dos meus bons clubinhos.
Eu gosto muito de quando alguém me indica um bom livro, já peguei ótimas referências aqui nas newsletters, e por isso, peço a vocês que me indiquem o que gostaram de ler!
O que você me recomenda?
Infinita, da Camila Maccari, e A mulher de dois esqueletos, da Júlia Dantas