Espero te encontrar bem. Aparentemente, a vida quer que essa newsletter deixe de ser semanal, e tem se encarregado de ajustar a periodicidade.
Mas hoje eu volto com delícias caribenhas para dividir. Passei uns dias em Cartagena, na Colômbia, de férias com a minha mãe - e estou completamente apaixonada.
Eu já sabia que amaria esse lugar com força, como todo bom fã de Gabriel García Márquez. Mas tem muito, muito mais em Cartagena, e precisamos viver isso, pelo menos uma vez na vida.
Quero que minha vida me leve mais de uma vez.
As cores do centro histórico
Num acerto completo, ficamos dentro da cidade amuralhada, no Casa Movida - um lindo casarão confortável, com ar condicionado (item indispensável) e cores vibrantes.
Por pouco não nos hospedamos em Bocagrande (a parte moderna de Cartagena, que me lembra muito o litoral paulista que conheço, tipo Guarujá), e teríamos tido outra visão de tudo.
É preciso ter acesso constante às ruas, barafustar pelas vielas, olhar as vitrines, encontrar placas, arcos, o tempo todo.
Tem gente tentando te vender até a mãe o tempo todo, o que é um ponto negativo - mas fica pequeno perto da beleza do lugar.
Tudo é relativamente próximo, basta ter boa vontade para caminhar.
Você está dentro do realismo mágico
Quem já leu O Amor nos Tempos do Cólera e De Amor e Outros Demônios, vai passar os dias arregalado, encontrando assim, sem nem procurar, todos os cenários icônicos.
O banco da praça onde Florentino Ariza espiava para dentro da janela de Fermina Daza, o lugar onde Sierva María foi mordida pelo cachorro, o convento de Santa Clara, o porto.
Num presente absoluto, que atribuo na conta dos pequenos milagres que viajantes conseguem, eu tive a delícia de ter percorrido o Río Magdalena, onde no final da vida e do livro, Florentino e Fermina decidem ficar “neste ir e vir do caralho” pela vida toda.
O recém lançado Em Agosto Nos Vemos, escrito já com o autor começando a senilidade, e publicado agora pelos filhos contra a sua vontade, tem alguns elementos que me remetem também a cenários de Cartagena - ainda que não tenha sido citada de maneira literal.
Numa matéria sobre Cartagena e essa relação de Gabito com o lugar, existe essa anedota de que ele nunca passou de um repórter sem a menor criatividade, pois a simples descrição do lugar, já faz o realismo mágico acontecer.
Não tenho como saber se é verdade, tantos anos e tanto sucesso depois, mas é assim mesmo que me parece.
Frescor, personalidade e colorido ao comer
De certa maneira, achei a culinária de Cartagena meio parecida com a brasileira. A abundância de vegetais e frutas frescos, o acesso a pescados, tornam a culinária diversa e saborosa, assim como a nossa.
As frutas são deliciosas, e encontrei maneiras muito diferentes de preparar saladas, mandioca, banana verde (sendo que o chips de platano verde, como lá é chamada, é um item mandatório).
Adorei comer as arepas, uma massinha feita de farinha de milho, achatada e cozida numa chapa, de diversas maneiras. Trouxe a farinha para casa - além de muitos pacotes de café.
Bons cafés, muitos doces rústicos que lembram os doces de roça daqui do interior de Minas (com abóbora, com mamão verde, cocadas), excelentes chocolates.
Estou encantada com a limonada de coco (uma batida sempre geladíssima de leite de coco, limão e açúcar - TEM que adoçar pra ficar igual).
E mais um detalhe interessante: Cartagena não tinha um anúncio sequer de detox, fresh food ou qualquer outra tendência tão comum em várias cidades do mundo hoje.
Muitas opções de sorvete vegano, sim, mas aquela “cultura de dieta”, presente em todos os lugares que já fui até hoje, não parece ter chegado lá. Não havia um outdoor sequer falando em emagrecimento, seja através de clínicas, cápsulas ou suplementos.
Jamais pensei que isso me afetava, até ter uma folga. Recomendo.
Precisamos falar sobre o calor
Cartagena é tudo isso que dizem de quente, sim. Neste abril de 2024, estava pior, considerando que o El Niño também prolongou as (mais) altas temperaturas do verão.
É preciso proteção do sol, a qualquer horário, é preciso se refugiar de tempos em tempos nas sombras. Talvez lá eu aderisse à siesta, por que minha gente, é um calor intenso.
O calor não alivia muito à noite, quando continuávamos perambulando a 27ºC, e nos levava para perto das muralhas e do mar, onde o ventinho ajuda a amenizar.
Estar à noite ao redor da Torre del Reloj, ouvindo apresentações musicais e de dança, vendo as luzes da torre (e dos inúmeros bares e restaurantes) é uma experiência especial, deliciosa.
A cidade é efervescente de cultura; os referenciais de música, dança e instrumentos africanos são muito presentes. Lembra muito o Brasil, também nesse aspecto. Você fica com um ódio da Espanha, que puta que o pariu.
O meu roteiro, para resumir
Foram 6 dias e 6 noites, integralmente dedicados a Cartagena. Sempre dormindo na cidade amuralhada.
Em dois dias, fomos passear nas ilhas, aproveitando a proximidade dos arquipélagos de Rosario (escolhi Playa Blanca e Isla del Encanto, cada dia uma).
Nos demais, nos dedicamos essencialmente ao centro histórico: visitamos o Sofitel Santa Clara em duas ocasiões, e eu aproveitei não só para visitar a cripta (aberta ao público, mesmo sem se hospedar lá), como para beber e ouvir música no bar do hotel, o El Coro.
Fizemos incursões breves aos pequenos museus, igrejas, mas principalmente, percorri os cenários d’O Amor nos Tempos do Cólera: a praça onde Fermina Daza vivia, o mercado onde terminou tudo com Florentino Ariza, o bairro Getsemaní, os arcos.
Quem não tem essa fixação, pode provavelmente distribuir melhor os dias, ver mais coisas. Eu vi e revi muitas vezes os locais onde havia me emocionado sozinha, com um livro nas mãos.
Cartagena tem muito mais prós do que contras, e merece muito mais que um Nobel de Literatura.
Que delícia conhecer um pouco de Cartagena pela sua escrita. É um dos lugares que está na minha lista para visitar antes de morrer 🧡