Espero te encontrar bem. Você sabe que eu sou terapeuta ayurveda e estou cursando Nutrição, mas talvez não saiba que sou assistente social e coordeno uma equipe de saúde mental.
Essa parte do meu trabalho, que já está com 6 aninhos de idade, foi uma iniciativa minha com algumas colegas de trabalho, ao percebermos que atendíamos os mesmos casos, e precisaríamos conversar a respeito e tomar encaminhamentos conjuntos.
Foi assim que juntamos médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiras numa única equipe, e passamos a monitorar os casos e debater como proceder. Aos poucos também fomos desenvolvendo ações de prevenção e educação.
De modos que o setembro amarelo é o mês mais agitado no meu emprego; aproveitamos a sazonalidade para divulgar o serviço, fazer ações de conscientização, e sempre surgem novas pessoas para atendimento.
E dessa experiência, e da necessidade constante de estudar o assunto, me ocorreu de comentar algumas reflexões com você.
Às vezes, a irritabilidade é um sintoma.
Nós costumamos ter no imaginário uma pessoa chorosa, sem banho e deitada na cama, ao pensar em depressão. Mas eu tenho me deparado muitas vezes com a queixa da irritabilidade, confundida com estresse, principalmente em pessoas idosas;
O “padrão ouro de evidência” nem sempre é usado - e mesmo assim funciona.
Existe toda uma discussão a respeito do método (em psicoterapia) com índice mais alto de responsividade, e a teoria cognitivo-comportamental(TCC) bem feliz no topo.
Ocorre que o vínculo entre paciente e profissional tem um papel muito grande, e as pessoas leigas no assunto se pegam mais nisso, do que na “linha” adotada pelo seu psicoterapeuta;
Intervenções mais simples também são efetivas.
Parecido com o item acima, muitas pessoas não investem em psicoterapia individual por impossibilidade financeira.
O SUS oferece (majoritariamente) terapias em grupo, de diversas modalidades, e é impressionante a melhora que as pessoas alcançam mesmo assim.
Os convênios de saúde, por sua vez, liberam apenas 12 sessões de 30minutos ao ano, e por pagarem pouco, são raros profissionais. Mesmo assim, as pessoas que fazem, alcançam resultados positivos, com toda a limitação;
A falta de tempo atrapalha tanto quanto (ou mais) que a falta de dinheiro.
É muito delicado falar que o dinheiro não joga um papel fundamental na saúde mental, tendo em vista que o acesso a quase tudo passa por dinheiro.
Mas tenho presenciado inúmeros casos em que o obstáculo ao tratamento não era financeiro, mas sim de conseguir separar o tempo do tratamento+deslocamento (especialmente verdade no caso das mães!);
As ações educativas continuam (e nunca deixarão de ser) necessárias.
Em cada ambiente que chegamos falando de setembro amarelo, dava pra sentir o revirar de olhos, como se fosse uma grande reprise/chover no molhado.
Mas ao final, muitas pessoas saem tocadas e com intenção de procurar ajuda especializada.
Eu mesma, já era coordenadora da saúde mental, quando tive depressão e só me dei conta num seminário de setembro amarelo, lendo os slides (leia aqui um pouco mais sobre isso);
Seu corpo afeta sua mente, e o contrário também é verdadeiro.
Uma pessoa extremamente comprometida, no auge da crise, não consegue nem fazer as atividades mais triviais.
Mas é vital, mesmo, que assim que tenha forças, comece a praticar um pouco de atividade física. 5minutos é melhor do que nada, mesmo.
O ciclo começa a ficar virtuoso, cuidar do seu corpo faz com que você sinta maior autoeficácia e isso reflete na mente.
A medicação é tão pequena quanto uma pedra no sapato.
Se a medicação estiver errada, tudo vai custar muito mais. Se a medicação estiver ajustada, ela sozinha é muito pouco, quase nada. Assim como vamos ao ortopedista e ao fisioterapeuta, não podemos ir só no psiquiatra. Infelizmente, é bem alto o índice de pessoas medicadas, só que sem tratamento de fato (atuando além do fármaco);
A vigilância terá que ser permanente.
Se em algum dia você recebeu o diagnóstico de depressão ou qualquer outro transtorno mental, por mais que você viva a remissão dos sintomas, o desmame da medicação, a alta do psiquiatra, você vai precisar se manter vigilante. Se você realmente se dedicar ao autoconhecimento, terá mais condições de perceber se estiver perto de uma recaída.
Eu tenho certeza de que chovi no molhado, mas também achei que seria uma grande esquizofrenia eu passar a vida toda falando disso no meu trabalho, e não trazer nada pra cá.
A quantidade de textos que escrevo para campanhas é abissal, e nunca me ocorreu compartilhar aqui, por falta de entender como integrar essas duas partes de mim. Mas poderia fazer, caso fosse do interesse de vocês.
Na próxima newsletter, podemos falar mais um monte sobre isso, mas tenho me esmerado em não deixá-las tão longas. Vamos ver se eu consigo.
Acho esse tema importantíssimo, Thaís!!