Segurança Psicológica
um conceito da psicologia do trabalho que serve para (quase) tudo
Em novembro de 2024 eu estive num Congresso de Saúde Mental Ocupacional que foi altamente transformador para mim.
A quantidade de inovação e estudos de qualidade entendendo a saúde mental com o trabalho, o uso de tecnologias para permitir maior alcance dessas ações, além de produção de dados, é impressionante.
Voltei de lá com a cabeça fervilhando de mil temas, alguns para meu próprio trabalho, e outros, obviamente, para a vida. E a questão da segurança psicológica foi uma das janelas que se abriram lá.
O palestrante estava falando de outra coisa, e só citou que usa a escala de segurança psicológica da dra. Amy Edmondson, e eu anotei. Joguei o nome dela na Amazon, encontrei esse livro aqui, e o resto eu conto agora pra vocês.
Eu confesso que estava procurando a escala, simplesmente, quando fui arrebatada pelo conceito completo de segurança psicológica no ambiente de trabalho.
Ela deu alguns exemplos bons o suficiente para explicar o conceito sem explicar: um deles era sobre uma enfermeira na UTI neonatal, acompanhando o médico plantonista.
Ela repara que ele esqueceu de adicionar na medicação do bebê prematuro algo muito elementar, que era como se fosse um protocolo de segurança, mas o médico era tão arrogante e impaciente que ela se calou.
Ela pensou que ele provavelmente sabia algo que ela não sabia, para não ter prescrito aquilo para aquele bebê.
O triste plot dessa história é que foi esquecimento, e o bebê veio a óbito.
A enfermeira fez uma escolha que a maioria de nós, seres humanos, tendemos a privilegiar: uma sensação momentânea de autoproteção, se mantendo longe do que poderia com toda a certeza se tornar uma humilhação por parte do médico.
O desconforto de ser humilhada, constrangida ou até mesmo de ter sua ideia rebatida é obviamente menor quando comparado à consequência real sobre a vida de alguém.
Se você tem tempo e distanciamento suficientes dessa situação, você entende que tem que falar.
Só que a maioria das pessoas, às vezes em bases diárias, escolhe calar, por não sentir a segurança psicológica necessária para ser a pessoa que corta a onda das outras (quando todo mundo parece ter achado uma ideia genial), ou aquela que pode ser taxada como pessimista, ao apontar riscos em certos projetos.
“O mensageiro sempre morre”, diz algum ditado popular, e ninguém acha gostoso ser o mensageiro.
E é aí que a segurança psicológica pode mostrar o seu valor.
A segurança psicológica é um sentimento grupal, não individual
Se você é um daqueles unicórnios que me relata nunca se sentir intimidado(a) na hora de dizer a verdade, apontar erros e falar de temas difíceis, isso não quer dizer nada sobre a segurança psicológica de onde você trabalha.
A segurança psicológica precisa ser percebida pela equipe como um todo: todos ali precisam saber, com muita certeza, que podem se expressar, relatar erros próprios ou de outros, e discordar, sem que isso se torne um risco de demissão ou perseguição.
Assim, não precisa ser nenhum gênio para concluir que a segurança psicológica precisa partir das lideranças. As pessoas precisam sentir que é confiável falar sobre potenciais problemas - ou aqueles já existentes.
Um dado curioso que o livro aponta, é que em equipes com alta segurança psicológica, existem mais erros reportados. O que não significa que elas erram mais, mas sim, que relatam mais vezes.
Os locais de trabalho com baixa segurança psicológica, quase sempre, não possuem relatos de erros ou falhas, por que o medo faz com que cada pessoa esconda o melhor possível aquilo que pode. E quando o erro aparece, geralmente, ele explode.
Vivemos num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo
A autora criou um acrônimo, VUCA, para descrever o mundo atual, cuja tradução está aí em cima (uncertain, em inglês). Todas as premissas do livro são para falar de equipes de trabalho .
Porém, ouso extrapolar essa mentalidade para todas as esferas da nossa vida em que nos relacionamos em grupo. Não existe uma resposta que dure eternamente, para as nossas questões.
Muitos de nós já pudemos ver pessoas, organizações e ideias subir e cair no nosso conceito com uma velocidade espantosa. O que já foi um grande acerto, pode cair muito mal num novo contexto.
E às vezes, tem quem enxergue esse risco, mas não se sinta à vontade para apontar. É aí que entra a segurança psicológica.
É fácil pra você apontar uma falha de alguém que você gosta muito, com quem costumava concordar e sentir que pensavam parecido? Você pode “abrir o jogo” entre seus familiares e amigos sobre um erro que cometeu, e está tentando corrigir?
Quantos de nós escondem que estão endividados, doentes ou em alguma crise pessoal, por receio de desmoronar a própria imagem perante as pessoas que considera?
A segurança psicológica nos faz “jogar para ganhar”
Viver tornando públicos os nossos êxitos, os grandes feitos, e aplaudir o resultado, nos faz mistificar um pouco o processo necessário para chegar lá - seja onde for.
Um ambiente alto em segurança psicológica não só acolhe, como incentiva o erro - não o erro proposital, mas aquele erro de quem está inovando, buscando aprimorar algum feito.
É mais do que relevar o erro, ou considerar o erro uma exceção: é abraçar o erro, entender a sua importância, para o aprendizado individual e coletivo.
Só que ambientes baixos em segurança psicológica aniquilam quem errou, e matam essa parte tão importante do processo. E como resultado, a maioria das pessoas prefere a tranquilidade de não perder, ao invés de tentar ganhar.
“Com que frequência você se encontra realmente jogando para vencer? Pode ser um desafio fazer essa mudança, porque quando você joga para não perder, é provável que tenha sucesso (em não perder). Mas você perde oportunidades de crescer, inovar e experimentar uma sensação mais profunda de realização. Quando você decide jogar para ganhar, as regras mudam. Sim, você pode cair de cara em público às vezes.”
Amy C. Edmondson, n’A Organização Sem Medo
Como implementar a segurança psicológica nas minhas relações?
Como já falei mais acima, no ambiente de trabalho é preciso que essa movimentação parta “de cima”, e uma grande persistência de líderes e chefias em demonstrar às pessoas que elas não serão punidas por se expressarem.
Eu realmente torço por encontrar mais ambientes seguros psicologicamente - neste momento, no meu trabalho, eu vivo numa equipe alta em segurança psicológica, enquanto outros setores muito próximos, não.
Mas ter conhecido esse conceito me fez querer ser uma pessoa que “oferece” segurança psicológica nos meus relacionamentos. Permitir discordâncias, que as pessoas demonstrem vulnerabilidades, quebrar um conceito irreal a respeito delas.
Não tenho filhos, mas penso muito que é fundamental para uma criança/adolescente crescer num ambiente familiar em que, ao cometer um erro, ele possa pensar “preciso contar para os meus pais”, ao invés de “meus pais vão me matar".
Entre casais, não consigo ver outra forma de renovar o compromisso mútuo, sem que haja segurança psicológica para apresentar novas versões de si mesmos na relação.
E é algo que, pretendendo ser ainda professora, orientadora em campo de estágio, nutricionista, empreendedora…preciso desenvolver para que o meu trabalho permita que as pessoas vicejem, e não definhem na minha presença.
Gostei muito da sua proposta de ampliar o conceito de segurança psicológica para esferas da nossa vida pessoal. E vou procurar o livro.