Ontem eu comi tangerinas. Elas não estavam tão suculentas, e foram colhidas com pequenos centros verdes na casca, ali perto da “bundinha” por onde começamos a tirar a casca.
As tangerinas do outono, elas ainda não são aquilo tudo - mas em breve, tangerinas melhores virão - e eu tenho intenção de consumir muitas. Essas, que ganhamos do vizinho, foram a primeira colheita dele, que nos presenteou por não dar conta de consumir.
Falo das tangerinas, pois para mim, elas são um dos sinais inequívocos da passagem do tempo. Eu comi uvas em janeiro, fevereiro. Agora eu como tangerinas. Mesmo que a temperatura oscile um pouco, as árvores se enganam menos que nós, humanos.
Só que não era assim - nós, humanos, não só sabíamos do tempo das frutas, mas também do tempo das etapas de plantar, cultivar, colher. Sabíamos da ausência de luz, dos riscos que chuva e ventos oferecem à saúde das pessoas.
Ontem terminei de ler o Emma, de Jane Austen - e um dos personagens mais hilários é justamente o seu pai, que hipocondríaco e já idoso, morre de medo que alguém adoeça se ficar ao ar livre (mesmo no verão).
Só permite que Emma vá a um baile na vizinhança, se garantirem que as janelas não serão abertas, causando correntes de ar frio nas pessoas que dançam dentro do salão.
E numa das passagens mais engraçadas, ele impede que uma vizinha, convidada para jantar, consuma o cozido de carne que a filha havia deixado preparado para eles, pois acredita firmemente que mingau ralo é melhor para a saúde.
E a pobre da mulher vai embora morta de fome, mas sem coragem de insistir em comer mais, perante o dono da casa. O personagem é uma caricatura daquelas pessoas extremamente medrosas de tudo, e com quem todo mundo precisa pisar em ovos.
No entanto, tirando a veia cômica, todos os personagens do livro viviam fazendo cálculos baseados no clima e na temperatura. Se era ou não pertinente passar de carruagem na neve. Passavam uma semana sem se ver, por causa das chuvas.
Alguém se resfria, e leva quase 3 semanas para ficar bem. Pacientes com asma são enviados para outras regiões do Reino Unido, onde o clima é mais favorável - e uma infinidade de exemplos mais.
Essa conexão com o clima, a umidade e a temperatura, permitiu que diversas civilizações fossem avançando como população, ainda que não tivéssemos tantos conhecimentos médicos.
E com a crescente mudança do nosso modo de vida (urbano, regido por energia elétrica, emulando temperaturas e luminosidade internamente, alterando o cultivo de plantas), essa conexão foi desaparecendo.
Clima é conversa de elevador - quase sempre reclamação. Muito quente, ou não pára de chover há semanas.
Como em ayurveda passamos muito tempo avaliando os fatores externos e os seus efeitos no corpo humano, sempre que me deparo com a relevância que esse tema já teve na vida das pessoas, me impressiona o contraste.
Leiam Jane Austen. Comam tangerinas (quando for o tempo delas). E observem os efeitos do clima nos seus corpos. A sua saúde agradece.