Espero te encontrar bem. Eu tinha uma outra ideia para o texto de hoje, que vou deixar pra próxima semana. Muita gente já está encerrando suas atividades essa semana, então quero passar esse na frente, pra quem sabe você curtir suas férias lendo.
Eu sou uma leitora contumaz e relativamente afobada. Leio rápido, ritmo de muitos anos, e sou canibal de livros. Nem sempre os saboreio como poderia. Isso tem dois lados.
Eu leio mais, o que é bom, considerando quantos livros existem no mundo.
O lado ruim, é que eventualmente eu não processo tudo com a devida destilação. E tenho dois pequenos antídotos pra isso.
Um deles, é estar no Clube de Leitura (A)normal, da Maria Camila Moura. Nós lemos 10 livros por ano, um ao mês, e estudamos autor, contexto da obra, enredo, refletimos e fazemos interfaces com outras obras que possam enriquecer o tema da obra.
Você pode acompanhar o trabalho dela no instagram, e quem sabe, ser meu coleguinha no próximo ano.
Outro pequeno antídoto é escrever a respeito, registrar o que me marcou daquela obra, num caderno bem simples onde reúno algumas citações, estrutura dos capítulos, essas coisas. Como se fosse um fichamento, só que mais livre.
Dito tudo isso, vamos aos livros que mais me transportaram para outros mundos, que me fizeram ver coisas que, de outra forma, não teria visto.
1. Socorro Acioly e os seus Cabeça do Santo e Oração para Desaparecer
Começamos o ano com o Cabeça do Santo no Clube de Leitura, e eu fiquei logo encantada, presa naquele estilo tão parecido com realismo mágico e cheio da presença do insólito.
A Socorro está num momento profissional maravilhoso; brilhou na FLIP, seu livro vai virar filme, é um sucesso merecido. Se você gosta de Gabriel García Márquez, talvez goste de saber que ela foi sua aluna, numa oficina literária (onde o Cabeça do Santo foi trabalhado).
Já o Oração, me traz uma familiaridade com estilo de Saramago também, talvez por ter parte ambientado em Portugal. São livros curtinhos, pra ler na rede.
2. A Redoma de Vidro de Sylvia Plath
Foi nossa penúltima leitura do ano no Clube, e eu fiquei realmente encantada com o romance (que pode ter traços autobiográficos). Não é um livro leve, gostosinho, não.
A protagonista sofre de depressão e sofre com os tratamentos que eram ofertados na época em que vivia (a primeira onda do eletrochoque, como era então chamada a eletroconvulsoterapia).
Mas para além disso, é uma pessoa naquele limiar esquisito entre o fim da vida acadêmica universitária e o início da vida “adulta” de fato. Me identifiquei com muitas partes: romper com essa fase da vida foi difícil para mim.
É deste livro, inclusive, uma das metáforas literárias mais famosas do mundo, e que talvez muitos aqui já conheçam de outros contextos. Transcrevo aqui para, talvez, instigar mais curiosos:
“[…] Eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto. Da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. Um desses figos era um lar feliz com marido e filhos, outro era uma poeta famosa, outro, uma professora brilhante, outro era Gê, a fantástica editora, outro era feito de viagens à Europa, África e América do Sul, outro era Constantin e Sócrates e Átila e um monte de amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro era uma campeã olímpica de remo, e acima desses figos havia muitos outros que eu não conseguia enxergar. Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés. […]”
3. A Pediatra, de Andrea Del Fuego
Esse livro tem um humor peculiar que eu adorei: a protagonista é uma pediatra que opera a própria vida (e o seu trabalho) na lei do mínimo esforço, o que geram situações inusitadas.
Ela é egoísta, e não gosta muito de crianças. Filha de médico, virou médica e meio que herdou parte da clientela do pai. Não tem muito filtro no que lemos dos pensamentos dela: é como se fosse uma janela aberta para o que ela pensa.
Ela destila preconceitos, detesta tudo o que contrapõe a sua maneira acomodada de levar a medicina e a própria vida. Eu particularmente amei e ri muito, mas acho que é meio Fanta Uva, tem quem não goste nada.
4. Pacientes que Curam, de Julia Rocha
Para redimir aqueles que não gostam de brincar com coisa séria (como uma pediatra que não gosta de crianças), deixo essa coletânea de crônicas deliciosas, de uma médica de família de Belo Horizonte.
Através dos pacientes e suas histórias, vamos entendendo um pouco desse universo tão rico e complexo, que entra ali no espaço da Unidade Básica de Saúde de um bairro periférico.
Apesar de todas as limitações, você vai ficando com aquela esperança bonita, que só quem trabalha em contato com o ser humano pode ter.
5. A Velha Loja de Curiosidades, de Charles Dickens
Essa história é muito rica de detalhes e cenas londrinas. Esse ano, quando fui a Londres, aproveitei para conhecer o Charles Dickens Museum, que tem numa de suas residências, além dos objetos pessoais, fragmentos das obras.
Lá tinha uma parte imensa sobre a cidade de Londres e a poluição como praticamente personagens de suas obras. Esse livro, aqui no Brasil dividido em duas partes, tem personagens interessantíssimos.
Acredito que crianças a partir de uns 10/12 anos já consigam aproveitar a obra, mas adultos vão curtir o estilo. Como foi uma novela publicada no jornal, tem sempre um final muito surpreendente, que te deixa ansioso pelo próximo capítulo (na época, semanal).
6. Primeiro eu Tive que Morrer, Lorena Portela
Esse livro é uma delícia. É um romance de férias, de uma moça chegando em Jericoacoara para uma temporada. Lá ela se apaixona, trabalha, conhece pessoas boas e ruins.
Tem um mistério não explicado na trama, que não consegui até hoje desvendar. É mais um livro gostoso pra ler na rede, sonhar com o Ceará e querer ir pra Jeri.
7. Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong, Hwang Bo-Reum
Esse eu ainda estou lendo no momento. A capa me pareceu simpática, além dessa formulinha núcleo dentro da livraria. Mas já passei da metade, por isso recomendo.
A autora é sul-coreana, e esse é o livro de estreia dela. São histórias simples, mais ou menos no mesmo ritmo, diálogos travados ao redor da livraria, com uma vibe agradável.
Tipo, você fica com vontade de conhecer uma livraria assim! Eu não sabia, mas existe todo um nicho sul-coreano para esse tipo de obra, que pode ser traduzido meio que como healing fiction (ficção de cura).
Talvez num ano pesado demais, você possa querer um livro mais tranquilo, estável, que faz reflexões bonitinhas e com detalhes cotidianos em destaque.
É um livro gostoso e que não dá lição de propósito, mas tem muitas frases de efeito.
8. A Trança, Laetitia Colombani
Quase nem ponho esse livro aqui, tamanho foi o hype, meio que todo mundo já leu. Me sinto chovendo no molhado.
Mas é um livro muito bom, que entrelaça (como numa trança) a história de três mulheres de lugares totalmente diferentes, que nunca se encontraram, mas que acabam influenciando na vida uma da outra.
É curto, te envolve, por que começam a ter reviravoltas muito interessantes. No final você corre (se for como eu).
9. Conversas Corajosas, Elisama Santos
E um não-ficção para terminar, com uma via prática e super interessante de vivenciar a comunicação não-violenta.
Eu me interesso muito pelo tema, mas confesso que não conseguia praticar com tanta clareza com os livros do Marshall Rosenberg - talvez por ele usar exemplos que não me são familiares.
Já Elisama não só é brasileira e negra, como esse é um livro pós-pandemia, com exemplos que diversas pessoas vivenciaram em famílias, amizades, colegas de trabalho, sobre temas espinhosos e que nos dividiram.
Pode ser uma ótima leitura, especialmente se você vai passar um feriado ou até as férias inteiras com parentes.
10. Bônus track: o que EU vou ler no recesso
Eu tenho uma semaninha apenas de folga, uma única semana para deitar na rede. Nesses momentos tranquilos, de descanso, gosto de leituras mais rápidas e fáceis.
Ganhei um livro de Drauzio Varella no amigo secreto, que é (para mim) o melhor cronista do Brasil. Vou ler esse, mas recomendo de lambuja o Teoria das Janelas Quebradas ou o Correr, pra quem quer começar a conhecer esse lado dele.
Achei um livro puído de Agatha Christie, e ele está se desfazendo. Mas eu vou encarar pela história, tenho uma lembrança antiga de ler seus mistérios nas férias de janeiro.
E tá mais que suficiente. Você tem mais livros pra me indicar? Me manda nos comentários!
Desses todos só li A Pediatra, que também adorei. Esse ano não li tanto quanto gostaria, mas recomendo: Irmã Outsider (Audre Lorde), Escritores e Amantes (Lily King) e Açúcar Queimado (Avni Doshi)
Adorei as indicações. Vou incluir alguns títulos na minha lista. Eu li A Pediatra em um único domingo. Não consegui largar o iPad 😂