Espero te encontrar bem. O texto de hoje está marinando há bons meses dentro de mim, e acho que hoje pode sair.
Ayurveda é um caminho lindo de saúde e bem-estar para mim. Amo cada minuto que passei estudando, amo praticar as rotinas e o som em prosa do sânscrito. Porém depois de alguns anos, me sinto pronta para contrapor algumas “regras” difundidas à exaustão.
Como todo documento histórico, existem situações imprevistas pelos autores. E acredito que precisamos fazer os ajustes, de acordo com a nossa realidade presente.
Dogma 1: não é ayurvédico beber água gelada
Eu não bebo água gelada em 99% das ocasiões em que bebo água. Meu marido, que é ator e cuida da voz, tampouco - e foi orientado a não fazer isso para preservar a voz.
Porém, a explicação que se dá para evitar isso é uma generalização de que isso “mata o agni(fogo digestivo)”, “agrava vata e kapha”, e bem… não é tão simples assim.
Primeiro, eu penso que nas condições naturais em que os clássicos foram escritos, beber água naturalmente gelada na nascente dos rios era uma opção bastante comum.
E depois, pensando nos dias de hoje, eu noto muito mais gente desidratada, por beber pouca água, do que gente que tinha um super agni potente e que o “matou” com água gelada.
Assim, vamos dar proporções às coisas, né? Beba água gelada, se isso te faz beber mais água. Esprema umas gotinhas de limão, saborize com umas folhas de hortelã.
Se acha que isso pode te ajudar, beba em temperatura ambiente e repare.
Dogma 2: frutas devem ser comidas apenas sozinhas, jamais combinadas
Essa lenda urbana, ao lado da lenda urbana de que melancia prejudica a digestão de acordo com ayurveda, é repassada em todo workshop que vou.
Eu mesma, quando escrevi o meu primeiro ebook de receitas, reproduzi esse conceito. E hoje eu mudei de ideia, por inúmeras razões.
A primeira é que não encontrei escrito em nenhum lugar isso. A força da reprodução oral às vezes tem dessas coisas. O fato da gente comer tomate (uma fruta) em refeições principais deveria ser uma pequena pista.
Além disso, estudando Nutrição, eu tenho aprendido muito sobre a sinergia de alguns alimentos, que potencializam a absorção de nutrientes, como é o caso da famosa dupla feijoada com laranja (a vitamina C potencializa a absorção do ferro).
E ao indicar que frutas não são tão bem recomendadas, eu comecei a ver pessoas deixarem de comer frutas no lanche, para comer barras de proteína, pipoca e bolachinhas.
Nada contra esses alimentos em particular, mas é óbvio para mim que banana dá um couro na pipoca, e que melancia é muito mais amigável para o seu agni do que bolachinhas.
Proporção na vida, gente. De fato muitas pessoas se queixam do efeito da melancia (de causar arrotos), e nesse caso, pode ser bom evitar. Igualmente com outras frutas que causam desconforto.
Isso é totalmente diferente de, simplesmente, não comer mais frutas por não achar a ocasião adequada para consumi-las.
Dogma 3: o raspador de cobre é o mais indicado
Se você também acha lindíssimos os artefatos de cobre, concordamos. Porém, caso ainda vá comprar o seu raspador de língua, escolha um de aço inox.
O cobre é utilizado há milênios por uma combinação de disponibilidade, com o fato de ser então a melhor alternativa. Só que o cobre é também um metal muito reativo, com oxigênio para começar, e umidade (do banheiro, lá do seu porta escova de dentes).
Daí que para o seu raspador mofar, esverdear e criar uma “capinha” chamada zinabre, cuja ingestão é perigosa para o consumo humano (e proibido pela Anvisa), é rapidinho.
“Propriedades” do cobre não são passadas para você numa raspagem de língua. Cobre é um metal abundante nos alimentos. No banheiro, use inox.
Dogma 4: você tem determinados comportamentos por causa do seu dosha
Se eu ganhasse 1 real cada vez que alguém que gosta de dormir até mais tarde justificasse isso com um “é que eu sou kapha”, já teria comprado algo bem caro, viu?!
Dosha significa, em livre tradução, tendência ao desequilíbrio. Não precisa nem entender de ayurveda, basta entender de português: nem toda tendência se confirma.
Além disso, por causa de traduções imprecisas, alguns conceitos vão se difundindo de forma equivocada. Doshas do corpo, causam efeitos no corpo. Doshas da mente, na mente.
Não é por que você tem depressão, por exemplo, que você passa a se descrever como “sou uma pessoa triste, sem energia e deprimido”(eu espero que não).
Não é por que você tem inchaço nas pernas, causado pela má circulação, que você se descreve como “eu sou lenta, pesada e imóvel”.
Você TEM esses problemas/sintomas, você não É nenhum deles.
Ayurveda não é astrologia, que você usa pra se definir a partir de um conjunto de características atribuídas a um grupo inteiro de pessoas.
(Com todo respeito a quem estuda astrologia, comparei por ser algo que vejo com frequência as pessoas usarem para justificar comportamentos e temperamentos).
Ayurveda é muito mais que isso
As áreas que estão mais próximas de ayurveda, hoje em dia, são os estudos de cronobiologia e nutrição, especialmente quando se fala de saúde intestinal.
Nem tudo o que foi descrito há cinco milênios precisa de comprovação científica para ser testado, principalmente quando é inofensivo, e ainda pode ser que te ajude.
Mas existem regras que são repetidas sem uma fonte muito precisa, ou mesmo uma argumentação mais elaborada. Nesse caso, eu opto por não seguir - e não recomendo em atendimento para ninguém.
Se você tem essa curiosidade, gostaria de se conhecer através da ayurveda, será um prazer agendar o seu atendimento online. Só me chamar!
Enquanto isso, quando estiver numa roda falando de doshas, tente não ser a pessoa que pergunta “e eu sou o que então”?
Essa pergunta é sua, e a resposta, também.
Ayurveda pode te dizer suas tendências, seus desequilíbrios atuais, como superar mal-estar, sintomas e até doenças, não pode te dizer quem você é.
Eu espero que essa busca te fascine tanto quanto a mim.