Cuidado para não chamar de "trabalho" o que na verdade é amor
Um manifesto a favor do ordinário
Espero te encontrar bem hoje.
Eu desempenho tarefas diárias que estão sob minha responsabilidade, e algumas não podem falhar.
Duas vezes ao dia, chova ou faça sol, os cachorros precisam passear. Eles são alimentados diariamente (com ração), que precisa ser comprada a cada 20 dias.
Busco escolher o melhor custo-benefício dentro das opções sem transgênicos, sabendo que bom mesmo era fazer alimentação natural, mas está inviável ainda.
Preparar “água de frango” para incentivar a hidratação, aplicar colírio, trocar a água uma vez ao dia. Lavar os bichinhos de pelúcia, retirar quando estão muito rasgados e oferecem riscos.
Brigar pelos bichinhos no mínimo 1x ao dia, fingindo interesse por um brinquedo imundo, babado e frequentemente faltando pedaços. Arriscar tomar uma dentada, na briga por um desses bichinhos de pelúcia.
Durante a caminhada, além de coordenar o ritmo de cada um, sua segurança no trânsito e evitar conflito com outros cachorros soltos, prover um mínimo de 40min de passeio.
De manhã e à noite. Na chuva, também.
Em casos de piriri ou de chuva, ao retornar do passeio, colocar as coleiras estendidas no varal, enxugá-los com toalha, e depois no secador. Passar lenço umedecido nas bundinhas que tenham ficado sujas.
Pagar alguém para fazer a tosa, e eventualmente dar o banho em casa, com sabão de coco orgânico e xampu dermatológico. Aplicar com um algodão um antisséptico nas orelhas, 2x na semana.
Fechar todas as janelas, reconfortar em noites de trovoada ou fogos de artifício excessivos, calcular qualquer atividade fora de casa com o tempo razoável que permanecem desacompanhados sem sofrer (nunca mais do que 6h).
Distribuir afeto e atenção, dispender tempo para treinar e educar alguns comandos importantes (eventualmente, pagar uma escolinha para conseguir isso). Reunir a documentação e os pertences pessoais a cada final de semana fora de casa.
Dividimos as tarefas em dois, e tem dias que faço com prazer, e dias que faço irritada, principalmente os passeios.
Principalmente se a Pipoca estiver descompensada, o que acontece muitas vezes na semana. Ela grita quando avista outros cachorros passeando.
De tempos em tempos, busco me lembrar que ela estava muito bem, obrigada, lá no abrigo onde viveu os primeiros 6 anos de vida. Eu que fui atrás dela, trouxe para casa e quis adotar.
E o que eu buscava quando a busquei?
Eu conscientemente quis mais um cachorro, dobrar a despesa ordinária da saúde e alimentação, as tarefas de manutenção.
Tempos atrás, fui liberada de cuidar dela: ela internou por uma noite e um dia, pois estava com sangue na urina (ficou tudo bem).
E tudo o que eu queria era que ela voltasse para casa, dobrando as tarefas e as despesas.
Pois todas as tarefas que listei acima, são atos de amor e cuidado, pelas vidinhas pelas quais me responsabilizei. E que se eu não cuidar com o que eu digo, chamarei de trabalho.
Não que não dê trabalho - mas é de uma outra ordem.
Tudo aquilo que decidimos fazer da nossa vida, exige algum grau de comprometimento. O preço de uma boa vida, é, notoriamente, o nosso tempo.
Se você hoje tem uma agenda extraordinariamente cheia de to-do, e são demandas de família, ou de projetos que você embarcou voluntariamente, talvez alivie o fardo lembrar que é o preço de uma vida boa.
Ter que ligar para os seus pais todo domingo.
Ter que arrumar a lancheira da sua filha de segunda à sexta.
Ter que ir ao médico com sua irmã.
Ter que consolar a sua amiga, cujo cachorro morreu.
Quando você “tem que” alguma coisa para cultivar seus relacionamentos, você tem relacionamentos a cultivar.