Espero te encontrar bem. Aproveitando que essa newsletter chega no Dia da Consciência Negra, me ocorreu falar, dentro do meu nicho, de alguns temas espinhosos.
Num dos eventos que assisti esse ano sobre o tema, o professor e palestrante falou sobre o berço da civilização mundial estar na África, e não na Europa, como costumamos imaginar (mesmo que inconscientemente).
E isso sempre me põe a pensar no pouco que sei sobre o subcontinente indiano, e a sua contribuição direta na minha vida, através dos conhecimentos de ayurveda e yoga.
Aproveito o 20 de novembro no Brasil para traçar esse paralelo, então.
Yoga já é muito mais difundida, tem mais tempo de ocidente, mas ayurveda também encontrou seu lugar no mainstream. Primeiro em spas e retiros para rejuvenescimento, mas agora, em muitos outros produtos.
Chás, cápsulas, cosméticos, livros de receitas, raspadores de língua e outros artefatos de cobre. Acessórios com a estética indiana, se é que podemos usar uma generalização deste tamanho.
Deidades que nem sequer sabemos nomear ou a história por trás da imagem estampam tapetinhos, camisetas, cadernos e a nossa imaginação. Em alguns lugares que não deveriam estar, inclusive: Buda no lavabo, Ganesha embaixo da sapateira.
Quando iniciei a estudar ayurveda, desde o início, toda essa Índia imaginada povoava minhas ilusões. Todo mundo que já esteve lá, sabe que a Índia te engole e regurgita depois.
Mas convenientemente, a maioria dos registros direciona o foco para o seu rosto branco, e esfuma o lixo, a pobreza ou qualquer outro traço desagradável, estilo “modo retrato” do iphone:
A gente quer ouvir os mantras, recitá-los, queimar os incensos, mas não quer se responsabilizar pelo resíduo das fábricas despejado no Ganges.
Montamos espaços zen com mensalidades altas e vendemos japamalas de pedras extraídas literalmente com a vida de pessoas nas minas.
Sem que um único centavo sequer alcance o berço desse conhecimento e até mesmo dessa “estética”. E isso, eu confesso, me põe meio encabulada.
Se hoje eu possuo ferramentas de saúde, autoconhecimento e bem-estar que me permitem ter uma qualidade de vida melhores, é através da disseminação destes conhecimentos aqui no Brasil.
Ayurveda é inclusive minha fonte de renda, e sempre que vou propor determinadas condutas nos atendimentos, me questiono sobre a forma mais respeitosa de fazer isso.
Me questiono se tem cabimento importar cápsulas de shatavari para mulheres na menopausa aqui do Brasil, se tem sentido buscar mais quartzo verde ou raspadores de língua feitos de cobre.
Nunca tive coragem de “prescrever” o uso de pedras, ou especiarias que não fossem abundantes aqui no Brasil.
Não pretendo colocar chá de tulsi na rotina de ninguém, enquanto isso não for acessível sem envolver um contêiner que viaja desidratando por meses. Mas ainda assim me pergunto: isso é suficiente?
Talvez não, mas talvez também eu me responsabilize (individualmente) em excesso por uma condição maior e inerente ao mundo capitalista, desigual e cindido que vivemos.
Mas penso que a única forma de não assimilar o discurso e a posição de opressor, reproduzindo a desigualdade, é agindo na esfera que me cabe, e assim tomando contato com as discussões que precisam ser feitas.
Uma delas, sem dúvida, é sobre a apropriação cultural. Ver gente branca (como eu) se tornar a “cara” do yoga me deixa constrangida.
Ainda que yoga seja para todos, a yoga produto parece ser apenas para alguns.
Ayurveda produto, também.
E aí, fica parecendo que tanto yoga como ayurveda são menos acessíveis e “para todo mundo” do que de fato são - aquela loira magra, com conjuntinho combinando, fazendo sua tigela de quinoa com abacate.
Deixo esse link aqui como sugestão, para um artigo mais aprofundado e até com comentários de professores indianos e ligados à tradição do yoga, opinando sobre essa ocidentalização.
E fecho a edição da semana sem uma conclusão no texto, por que tenho muitas dúvidas, nenhuma certeza, e acho que essa é uma boa atitude.
Se humildemente nos colocarmos frente ao problema, podemos encontrar uma maneira respeitosa de agir com povos originários ao redor do mundo, menos violenta.
E aí sim usar palavras como “ancestral” e “milenar” sem soar hipócritas.
Gostei muito de todos os questionamentos que trouxe nessa news. Beijo!