Espero te encontrar bem. Cerca de 30 dias atrás, eu fui envolvida num acidente, e foi a primeira vez que entendi o conceito de que pedestre também é parte do trânsito.
Para tornar uma história longa uma história curta, do dia em que não fui atropelada mas mesmo assim me machuquei (clique aqui para ler tudo), vou me ater ao pós.
Pós limpar o corte na mão ali mesmo na ambulância do SAMU, que atendia o motoqueiro, caminhamos até em casa e fiz gelo na mão, enquanto falávamos sobre como ser o motoqueiro é ser vulnerável.
Passou mais um tempinho e, baixando a adrenalina pós impacto, começo a sentir um incômodo latejar no ombro. Assim como numa batida, o “efeito chicote” no ombro e no punho estavam fortes.
Na manhã seguinte, pratiquei yoga sem usar os braços - o que não é exatamente uma prática completa, mas adaptamos conforme a possibilidade. Engoli um ibuprofeno.
No trabalho, eu comecei a sentir que o simples repousar do meu braço sobre a bancada de trabalho, que mantinha o ombro ligeiramente flexionado, fazia doer, e passei a manter a mão esquerda descansando no colo.
Ibuprofeno de 8h em 8h virou meu protocolo de automedicação (que não recomendo, porém posteriormente meu médico referendou).
A dor ia e vinha, conforme o uso desse braço - claro que foi o esquerdo e eu sou canhota. O corte já havia fechado, a mão começou a desinchar e eu seguia nessa dinâmica.
Num final de semana inteiro na formação para instrutora de yoga, passados já mais de 15 dias do acontecido, eu continuava sem conseguir praticar.
Não só sem conseguir praticar yoga - sem conseguir dormir sobre o lado esquerdo, usar o punho para me apoiar até mesmo pra me levantar da cama.
Naquela noite, embarquei nas drogas pesadas do tipo “relaxante muscular”.
Para quem não sabe, essa classe que “dá sono” é um benzodiazepínico e, além do sono, deixa uma ressaca, mente avoada, além de um profundo mau humor na manhã seguinte.
Todos os dias, eu acordava (grogue e de mau humor, por causa do remédio), porém sem dor. Se eu não me esforçasse, conseguia ficar sem Ibuprofeno até por volta de meio-dia.
Aí terminava o dia sempre com o ombro latejando, derrotada, de mau humor e engolindo mais um relaxante muscular. Numa noite em particular, enquanto me via entrando no dia 25 de Ibuprofeno, tomei uma decisão.
Eu partiria para corticóides, precisava desinflamar. Aquilo já estava durando quase um mês, minha prática de yoga tinha ido para o cacete e eu me sentia perdendo o controle da minha vida.
Para minha conveniência, eu tinha inclusive umas prednisonas dando sopa na caixinha de remédios. Guardei uma cartela na bolsa e fui passar o dia.
Era uma segunda de manhã, dia 26 desde o acidente, e eu amanhecera, como de hábito, sem dores. Passei o dia viajando de carro, e cheguei em casa por volta das 18h.
Só naquele momento, percebi um fato novo: eu não havia precisado do Ibuprofeno naquele dia! Alvíssaras! Mesmo assim, tomei o relaxante muscular (metade da dose) e agendei minha aula de yoga.
Acordei sem dores, pratiquei todos os asanas (posturas físicas) propostos pela professora na prática. Não senti fisgadas, latejamento ou fraqueza. Ressabiada, esperei o resto do dia, pra ver se a dor vinha.
Não veio. Nem naquele dia, nem naquela noite.
Eu estava alforriada das medicações e do repouso forçado, depois de 28 dias de dores, medicamentos, receios e fraqueza no braço.
E ao final deste processo, veio o aprendizado. Que divido agora com vocês.
A dor é esse sinal maravilhoso de que precisamos reparar alguma coisa no nosso corpo. Enquanto o meu sistema de luta ou fuga bombeava cortisol e adrenalina pelo meu sangue, eu não a senti.
Foi só horas depois, em casa, que comecei a me conscientizar do tamanho da batida em mim. Quando você se corta, olha muito pra esse lugar, e eventualmente deixa passar problemas piores.
Foi o meu caso. Embora eu não pense que radiografia mostraria fratura, a dor foi persistente e incapacitante por quase um mês. Não a ponto de imobilizar o membro, mas a ponto de me deixar muito limitada em vários afazeres.
28 dias. Repouso (nos últimos 7 dias, intensificados pelos dias de férias e pela total ausência de atividade física). Medicação antiinflamatória - o chamado “tratamento conservador”.
Ao final de 28 dias, eu voltava às minhas práticas sem dor, e nem tão enferrujada assim. Voltar assim que possível é muito importante - só eu sei o quanto seria fácil simplesmente cancelar tudo “até o fim do ano”.
O nosso corpo e a nossa vida são realmente dádivas. Don’t take it for granted (que acho que soa muito melhor do que “dar por certo”). Aquele fim de tarde, no dia 26, me alegrou tremendamente apenas pelo fato deu não ter sentido dor.
Eu não sei quanto tempo o motoqueiro levou para se recuperar, e ele se machucou tão mais.
Sei que soa piegas, mas me sinto tão grata que não pude deixar de recomendar a você, que funciona “normalmente” hoje, a observar esse verdadeiro milagre.
Faça o melhor que pode com essa dádiva, e não a dê por garantido. Don’t take it for granted.