Agni - a digestão de acordo com ayurveda
Espero te encontrar bem. Nesta semana, decidi dividir com você informações sobre a digestão conforme descrita nos clássicos védicos - o agni (fogo, em sânscrito).
Começando pela palavra, acho que a analogia do fogo é valiosa para explicar a digestão humana: uma fogueira produz calor, energia e luminosidade.
Fraca, poderá simplesmente não cumprir essas funções. Descontrolada, essa mesma fogueira pode lamber a parede e levar a casa inteira a cinzas.
Até aqui, básico, certo?
Vamos falar de digestão de fato, então. Para ayurveda, você não é o que você come.
Você é o que você digere, absorve e descarta adequadamente. Se a comida for boa e nutritiva, mas a sua digestão não estiver bem… meio que você jogou a comida fora.
Só que passando por dentro de você, e eventualmente sobrecarregando ainda mais o seu corpo.
Além disso, agni é uma definição genérica, que fala não só da digestão química/fisiológica dos alimentos, mas também da digestão cognitiva e intelectual de tudo aquilo que consumimos.
É como se houvesse também uma “digestão mental” de tudo o que os nossos 5 sentidos captam em forma de informação, e que após esse processamento, se torna o nosso conhecimento devidamente processado e apto a ser útil na nossa vida.
Quando a sua digestão (seu agni) está saudável, você apresenta ausência de sintomas digestivos, como dores e outros, e ainda apresenta “sinais de saúde”, como:
apetite(fome) diário, especialmente na hora do almoço;
no mínimo 1 evacuação diária, com fezes bem-formadas, lembrando uma banana madura e de coloração marrom, eliminada sem dores ou esforço;
vitalidade ao longo do dia, com disposição intelectual, principalmente após se alimentar;
capacidade de discernir informações úteis e transformar aquele emaranhado de inputs diários num todo coeso, que faça sentido na sua mente;
compleição física compatível com o seu biótipo, sem excesso de tecidos (adiposo, muscular), nem falta.
Já os desequilíbrios do agni, são classificados também de acordo com os doshas.
Para não me alongar excessivamente, vou apenas citar os sintomas mais comuns e o dosha associado, mas esse é um processo muito complexo de ser analisado em consulta.
Quando em desequilíbrio vata, os sintomas digestivos são apetite e digestão irregulares, com muita oscilação nos horários de fome e das refeições. Intestino mais “preguiçoso” (constipação), errático, gases, distensão abdominal.
Os sintomas de desequilíbrio pitta mais comuns são intestino mais solto, fezes amolecidas/amareladas, diarreia, azia/refluxo, dores agudas de estômago (tipo gastrite/úlcera), e um apetite extremamente aumentado, que chega a dar mau humor.
E os desequilíbrios kapha mais comuns são enjoo, sensação de empachamento, demora a sentir apetite e meio que “come por comer”. Tem a sensação de estar sempre “conversando com a comida”, que a digestão não é completa, e mesmo na evacuação, não tem a sensação de alívio ou esvaziamento.
Para cada sintoma, existe uma causa, e é nela que ayurveda atua quando o seu agni estiver fraco. Inclusive, a frase clássica de Hipócrates, “toda doença começa no intestino”, foi proferida alguns milênios depois de ayurveda já dizer que
“a maioria das doenças se dá pelo excesso de alimentação”.
Não que alguém esteja brigando pelos créditos, mas achei legal dividir com vocês que estamos há milênios confirmando a centralidade da nossa digestão e alimentação na saúde.
Como cultivar uma boa digestão, de acordo com ayurveda
Primeiro, óbvio, não tem como organizar tralha. Se você está com problemas para digerir, precisará parar de consumir alimentos que te causam mal.
De amendoim a lácteos, passando por farinhas e FODMAPS, em 2023 o nosso problema não é falta de diversidade alimentar. É possível ter prazer e saúde na alimentação - ainda que nem sempre seja fácil.
Feita a sua “faxina”, retirados os alimentos que você não consegue consumir (por alergia, intolerância ou apenas mal estar, mesmo), existem algumas orientações genéricas:
sempre se alimentar apenas se estiver com fome, a sinalização fisiológica de que seu corpo dá conta de processar o alimento;
ao mesmo tempo, procurar alimentar-se majoritariamente durante o dia, preferencialmente na hora do almoço (o SEU almoço) - ayurveda diz que há uma correspondência entre o sol e nosso agni, que estará mais forte entre 10h e 14h;
usar os 5 sentidos durante a refeição (inclusive é em partes por isso, que eles comem com a mão). Isso exige um pouco de concentração para cheirar, tocar (mesmo que com a língua, dentes) e observar a sua comida;
engolir o alimento apenas quando ele já estiver completamente desfeito, mastigando bem e umedecendo com a sua saliva;
fazer uma caminhada leve, cerca de 100 passos, após se alimentar (já contei, dá menos que uma volta na quadra);
evitar alimentos pesados, como carne vermelha, feijões, e crus, como saladas, à noite;
manter cerca de 1/4 do seu estômago vazio (calcule isso unindo suas mãos em concha e “passando a régua”, para uma medida aproximada), ao comer;
evitar ingerir líquidos durante a alimentação, especialmente se tem refluxo, azia ou queimação.
Existem, sem sombra de dúvidas, muitas outras questões que interferem no processo digestivo, como tipos e preparos de certos alimentos, além de combinações que são consideradas sinérgicas (que potencializam bons efeitos), e outras não.
Descobrir isso é um trabalho de uma vida inteira para cada um de nós - e o meu, quando você marca consulta comigo.
Mas só de passar a evitar o que já sabemos não digerir bem, comer com fome, mastigar direito e não comer demais perto da hora de dormir, GENTE, muita coisa muda.
Se você achou as recomendações parecidas com outras que já viu em midfulness eating, eu concordo.
No fim de tudo, ayurveda parece muito mais bom senso do que qualquer outra coisa.
Praticar é que é o serviço. Qual dessas recomendações você pratica?