Na semana retrasada, passei 5 dias no módulo final da minha formação em Hatha Yoga, num ashram em Campo Alegre/SC. Foi um momento emocionante e de bastante alegria, que ainda estou processando.
Pela primeira vez, havia sinal de internet lá, e como sempre, criei duas caixinhas de perguntas no meu instagram: uma aberta, e outra anônima, integrada por outro aplicativo.
E foi lá que apareceu a seguinte pérola:
Na hora, depois de achar engraçado, várias coisas me passaram pela mente:
como o tempo livre do outro sempre nos parece maior que o nosso (tipo as suas férias passam voando, mas do seu coleguinha se arrastam);
como realmente as redes sociais moldam a percepção que temos das outras pessoas, e de como é a vida delas;
e de que isso deveria me deixar orgulhosa, pois eu quis muito uma vida tranquila desse jeito.
Vou me focar mais nesse último ponto, por acreditar que não importa o que você quer fazer, ter mais tempo livre é um desejo quase que universal. Emparelha logo ali com um sono de qualidade.
Sortuda (e dedicada) que sou, nesse momento posso dizer que tenho ambos. Bom sono e tempo livre, para cultivar meus interesses e até meu ócio sem nenhum propósito.
Vou tentar dividir com você como eu cheguei nesse ponto, e caso não esteja óbvio ainda, segue o disclaimer: essa é a minha realidade, e você terá que adaptar para a sua, se quiser tirar algum proveito do que estou compartilhando.
Eu tenho o meu punhado de privilégios, e também algumas escolhas que tornaram essa realidade possível. Encare o que divido como uma template editável, que você pode aproveitar algumas partes na sua própria vida.
De que tempo livre estou falando
Acho que seria bacana mencionar que o tempo livre dura muito pouco nesse estado “indefinido”: logo já tratamos de ocupar o nosso tempo com coisas que queremos fazer.
Não existem espaços vazios.
Eu faço faculdade de Nutrição e pós graduação em Comportamento Alimentar no meu tempo livre. No momento, estou compromissada com esses cursos, mas usei o meu tempo livre para isso.
Dias atrás, concluí minha formação em yoga, que usava outro do meu tempo livre. Minha professora de yoga passa 2h semanais do meu tempo livre comigo, praticando.
Já o tempo que permaneço cuidando dos meus cachorros, por exemplo, não é livre: eu me responsabilizei por eles, e isso inclui certas manutenções diárias, como a caminhada matinal de 30-40min. Posso fruir do momento, mas não posso abdicar.
Obviamente, meu tempo de trabalho não é livre, afinal, eu estou à disposição do empregador. Eu tento fruir do momento também, na medida do possível, mas tenho o meu compromisso diário lá. Tenho que estar disponível fisicamente, inclusive.
Eu só faço questão de delimitar melhor o “tempo livre” por já ter me confundido muito, com um conceito meio adolescente de tempo livre = não estar fazendo nada.
Por mais que algumas atividades exijam o meu comprometimento, eu fiz isso por que quis, e é assim que utilizo esse recurso no momento.
Inclusive, eu sou bastante dopaminada, fácil de distrair com internet e TV, se não canalizasse meu tempo livre para projetos pessoais, terminaria como o Homer Simpson.
E eu reservo, sim, um tempo de ser Homer. Eu gosto.
A metáfora do tubo cheio de bolhas
Num curso que fiz sobre organização de vida e gestão do tempo, a professora usou essa metáfora que eu gostei muito.
Imagine que você está vendo um tubo transparente, cheio de bolhas de sabão dentro. Quanto maiores as bolhas, menos bolhas cabem. Mas se você começa a colocar mais bolinhas, elas vão se acomodando, e cabem mais. Eventualmente, algumas estouram.
O tubo é o seu tempo, e as bolhas são a quantidade de atividades que você faz. Todos nós, realizamos muitíssimas atividades todos os dias, mesmo que não sejam exatamente produtivas.
Por exemplo: no meu “tubo”, tem pelo menos 2h de aplicativos, como whatsapp e instagram. Ele não é uma bolha imensa: eu não sento das 9h às 11h e fico direto usando.
Em várias pequenas bolhinhas, essa atividade foi distribuída no meu dia.
O que eu gosto de fazer na minha vida, em todos os momentos, é ir inserindo bolhinhas de respiro, em qualquer ocasião.
Eu lembro de um ano, durante a faculdade, em que tomava 8 ônibus por dia. Eram horas de deslocamento, e eu aproveitava esse tempo para ler meus textos da faculdade, livros, comer(não recomendo), passar mensagens para meu namoradinho, conversar com os passageiros, ouvir as conversas dos outros.
Muitas vezes, usei pra dormir, ouvir música, pensar na vida. Jogava um joguinho comigo, quando via as luzes acesas dentro dos prédios: imaginava quem morava lá, e o que estavam fazendo.
É lógico que preferia fazer outras coisas, não estar dentro do busão, que nem sempre tinha assento (principalmente num horário específico), mas foi ali que eu comecei a me ver como alguém que aproveitava o melhor possível o tempo que tinha.
Hoje em dia, eu provavelmente andaria de fone de ouvidos, para escutar podcasts, aulas, música - inclusive, todo planejamento de viagem envolve um momento de baixar vídeos e músicas para o tempo de deslocamento.
Eu sempre tenho comigo opções do que fazer quando tiver que esperar: seja em deslocamento, salas de espera, até mesmo no trabalho. Sempre tem o dia que o sistema cai, que acaba a luz, e eu me viro com um kindle(do celular mesmo), ou um papel e caneta, o que tiver à mão.
Pra voltar na metáfora do tubo cheio de bolhas, eu entendi que não consigo colocar 3h de alguma coisa na minha vida agora, mas que se eu dividir essas 3h em vários momentos de 30, 15 ou mesmo 5 minutos, eu consigo sim.
O famoso: parcelando, eu compro até o Sol.
O milagre da multiplicação das férias e feriados
Foi em 2013, que um antigo chefe meu me ensinou algo elementar: se eu parasse de fracionar minhas férias de 15+15, e passasse a usar 12+18 ou 11+19, eu teria muito mais dias livres no ano.
Geralmente, a essa altura do ano, eu já tenho os feriados do ano seguinte inteiramente decorados, ou anotados em algum lugar, para que eu possa fazer a mágica da multiplicação dos dias.
Eu sempre “colo” minhas férias num feriado, seja no início ou no final, para assim, ver 12 dias se tornarem 16, ou 18 se tornarem 30 (isso só acontece em dezembro, por causa da semana de festas).
Eu sei que para quem não é CLT, essas contas não fazem sentido, mas caso você tenha essa condição (e a liberdade de definir seus períodos de férias), aproveite.
Com relação a feriados emendados, aqui não acontece. Podemos revezar algum feriado, mediante o pagamento das horas no mesmo mês que usufruímos da folga.
Eu só emendo se for viajar - descobri ao longo dos anos, que quem não emenda tem um dia muito sossegado de trabalho, em que o telefone quase não toca, e você pode aproveitar pra ficar mais de boa, demorar mais no café, e por aí vai.
Sair de casa é fundamental também para a minha percepção de feriado/descanso. Nem todo mundo precisa disso, mas eu me sinto muito melhor quando passo o feriado no sítio, ou em algum lugar aqui por perto mesmo.
A mudança de cenário ajuda muito a demarcar que a rotina mudou. Se o feriado cai numa quarta-feira, eu tento ir para algum lugar perto daqui, nem que seja para passar uma tarde.
As folguinhas no meio da semana
Considerando que eu trabalho de segunda a sexta num emprego formal e presencial, o meu tempo livre calha de acontecer, geralmente, pela manhã (no início dela) e a partir de umas 16h, mais ou menos.
Acordo 5h45 diariamente, faço a minha rotina matinal (dinacharya em sânscrito), tomo um café com Mozão e dali, ou tenho yoga, ou meditação. Feito isso, tenho que cozinhar o almoço, e me arrumar para o serviço.
À noite, tenho o passeio com os cachorros e aula na faculdade, centro budista, aula da pós. Cada noite, uma atividade. Costumo deitar para dormir às 20h40, a não ser nos dias que vou à faculdade.
Dormir e acordar cedo fazem a maior parte da magia acontecer: eu sempre entrei mais tarde no serviço (por muitos anos, meu horário era 10h45), e agora, está mais para 10h.
Sempre usei essas horinhas matinais para mim. Quando comecei nesse emprego, eu fazia mestrado, e o meu horário “bom” de estudar era cedinho, antes de ir trabalhar.
Agora, uso para o meu relacionamento, meus rituais espirituais, atividade física. Em suma, meu tempo para mim.
Quando o dia inicia 7h cravado na repartição, eu abro mão de boa parte das rotinas e rituais. Não todos, mas a maioria. Tento compensar mais tarde, ou no dia seguinte.
O conceito de férias todos os dias
Há 8 anos atrás, um texto da Thais Godinho, do Vida Organizada, ocupou um espaço gigantesco na minha mente. Você pode ler ele clicando aqui.
Tenha paciência com os caracteres, eles estão corrigindo aos poucos esse bug - dá pra pegar a ideia geral.
Se você não clicou, vou te resumir: ela menciona como em algum ponto da vida de empreendedora, percebeu que precisava trazer para o dia a dia as coisas que ela mais gostava quando está de férias.
Obviamente, viajar é uma opção inviável para todos os dias, então o exercício é você lembrar daquelas férias gostosas e dos detalhes que tornaram tudo mais especial. O café da manhã, a mobília mais relaxante, uma música ambiente, uma iluminação que valoriza, essas coisas.
Quando eu li esse texto, revolucionei minha casa da época. Naquele ano, eu havia feito uma viagem até Praga, que eu não conhecia, e uma imagem estava plasmada dentro de mim com força.
Eu caminhava por uma praça, bem pertinho do centro histórico, e entrei numa cafeteria para tomar meu desjejum. Naquele dia, que já era verão, o lugar estava ensolarado, e havia uma miríade de flores e objetos interessantes ao acaso, jogados num cesto, logo na entrada.
Lembro que havia um azulejo decorado, uma corda muito bonita com um nó, uma muda de lavandas num vaso. Tudo reunido, me parecia uma pequena cápsula de interessâncias.
Aquela sensação de que eu tinha um dia inteiro pela frente, uma cidade a desbravar e muito sol e calor para curtir, é o que eu busco em todos os destinos para onde viajo para descansar.
Então ao longo de todos esses anos, eu estou sempre buscando maneiras de inserir esse espírito de relaxamento e curiosidade às atividades da minha rotina.
Intencionalmente, trago elementos que me remetem a isso para todos os espaços que ocupo. Minha gaveta de lanchinhos sempre tem algumas opções de chá, sempre tem aromas na minha mesa do trabalho, objetos que me trazem alegria (canetas coloridas, pedras, uma latinha especial para guardar chaves e carimbos).
Apesar de morar no litoral, meses podem se passar sem que eu vá à praia. Se o dia está ensolarado, pratico yoga na beira da piscina do prédio, ainda que a água esteja gelada e não muito limpa.
Antes de morar nesse prédio, morava num sem elevador nem sacada, e gostava de, às sextas-feiras, deixar tudo à meia-luz e ouvir música pelo Youtube na TV da sala, que nem Alexa ou caixinha de som existiam.
Li alguns anos atrás, no livro sobre hygge de Meik Viking, sobre fazer “noite temática” de nacionalidades, e desde então, quando como comida mexicana, japonesa ou o que for, sincronizo com uma playlist, com as cores daquela estética, e por aí.
Assim, em plena terça-feira, só por que sim. Todos os dias que puder me lembrar de cultivar a leveza e a curiosidade, eu faço.
O envolvimento emocional ajuda a fixar fatos na mente
Um exercício que é natural e que já fazemos ao longo dos dias, é criar uma narrativa a respeito de nós mesmos e de como vivemos. Lembro de uma senhora idosa, sem filhos e com o marido doente, que sempre me contava de sua infelicidade, escassez e solidão.
Um dia, ela precisou que eu configurasse algo no seu celular, pois ele estava lento demais. Achamos que poderiam ser aplicativos demais, ou que ela estivesse baixando automaticamente os arquivos de whatsapp.
Já no whatsapp eu fiquei surpresa: além de ter muito arquivo salvo automaticamente na configuração, havia uma quantidade abissal de mensagens e conversas de vídeo com familiares, amigos e vizinhos. E ela vivia lamentando que era sozinha.
Quando passei para os aplicativos, ela tinha todos os streamings possíveis, mais umas coisas como terço diário, e por aí vai. Perguntei quais daqueles eu poderia deletar, que ela não assistia. Ela disse que nenhum, que ela via todos.
Ela constantemente se fazia de desinformada, que estava “por fora” das coisas, já que não falava com ninguém, não assistia nada, não aprendia nada.
Ali eu percebi que ela narrava a sua vida de uma maneira que tudo parecia pior do que de fato era. As mesmas coisas que ela chamava de “nada”, na vida dela, na minha, são o ponto alto da semana.
E desde então, tenho tomado mais consciência de que eu faço intencionalmente um relato de vida (interno e externo) de que eu levo uma vida tranquila, agradável e de que eu posso lidar com os imprevistos com facilidade.
Isso não produz mais horas no meu dia ou na minha semana, mas produz um estado mental mais qualificado, em que se a semana estiver pesada demais (de atividades, trabalho), eu dou mais ênfase ao que fiz no meu tempo livre.
É como se a “edição do programa” só mostrasse a parte mais leve do dia a dia. E é basicamente assim que eu memorizo como passa o tempo.
Sabe quando você namora a distância e passa o mês inteiro alimentando a relação com base no que viveu em 4,5 dias? Aparentemente, eu faço isso com meu tempo livre. Eu dou mais carga emocional para esse tempo, do que para o outro.
Talvez valha a pena tentar enfatizar esse lado da sua vida, e deixar que ele ocupe mais espaço mental do que o restante.
Desapegar do ideal de um mês inteiro de ócio, ou de um final de semana inteiro de folga, também ajuda. Eu gosto de pensar nas “pequenas bolhas” de tempo, e reservar períodos para os afazeres e para o descanso no meu tempo livre.
E dentro do que já temos de tempo ocupado, lembrar de valorizar o que deveria ser mais valioso.
Adorei a forma leve que trouxe “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Trazer pra dentro da rotina aquilo que nos preenche é a melhor forma de gostar da nossa vida!
Oi Thais, adorei o texto! Lembro de você ter me indicado o Hygge no começo do ano, e ele já estava na minha lista. Li pouco tempo depois e, como previa, curti demais! É sobre isso, tempo para nós mesmas, autocuidado, treinar o olhar para ver o copo da vida "meio cheio" ao invés de "meio vazio"=)